segunda-feira, 8 de junho de 2009

Pensamento de Santo Agostinho

“ Que amo eu, quando vos amo? Não amo a formosura corporal, nem a glória temporal, nem a claridade da luz, (…), nem a doce melodia das canções (…), nem o suave cheiro das flores dos perfumes ou dos aromas, nem o maná ou o mel, nem os membros tão flexíveis aos abraços da carne.
Nada disto amo quando amo o meu Deus.
E contudo amo uma luz, uma voz, um perfume, um alimento e um abraço, quando amo o meu Deus, luz, voz, perfume e abraço do homem interior, onde brilha para a minha alma uma luz que nenhum espaço contém, onde ressoa uma voz que o tempo não arrebata, onde se exala um perfume que o vento não esparge, onde se saboreia uma comida que a sofreguidão não diminui, onde se sente um contacto que a saciedade não desfaz.
Eis o que amo, quando amo o meu Deus.”

Penso que esta passagem será a que melhor exemplifica o pensamento de Santo Agostinho, ou Agostinho de Hipona.

Ele foi o homem que inseriu as ideias platónicas na Igreja Cristã do Ocidente.

Santo Agostinho colocou na Igreja católica do Ocidente o conceito da elevação espiritual e da sabedoria, como o meio de chegar a Deus e à felicidade suprema.

Para Agostinho o mal não existia em si mesmo, o que existia era a ausência do bem que equivale ao nada, ou seja, se tudo o que é criado por Deus é bom (porque Deus só cria o bem), o mal não existe e tudo o que é mau não existe.

Agostinho procurava a verdade, utilizando a razão.

Numa altura em que o Império Romano do Ocidente se desmoronava a religião católica tinha sido aceite pelo imperador Constantino, o primeiro imperador cristão e fundador de Constantinopla, no Concílio de Niceia.

Para Agostinho, Deus revelou-se ao homem através do Verbo, sendo a Palavra tudo para Agostinho. É através da Palavra que Agostinho se aproxima de Deus e é através Dela, que quer aproximar o homem de Deus. O seu amor pelo Verbo poderá ter a ver com a circunstância de ter estudado gramática e eloquência, sendo um brilhante aluno, tornando-se mais tarde professor. Depois de ter lido a obra de Cícero, Hortensius, aprendeu a amar a filosofia e com a influência de Ambrósio, bispo de Milão, aproximou-se do cristianismo, com a obra de São Paulo converteu-se.

Embora Ambrósio seja o responsável pela aproximação de Agostinho à fé cristã, é interessante observar a diferente visão que tinham do meio de chegar a Deus. Se Ambrósio era um firme partidário da fé baseada na revelação, estando a sua posição ancorada na erudição e na referência recorrente aos clássicos gregos (uma visão do mundo que se estava a extinguir no séc. IV) desprezando a filosofia, Agostinho cria na filosofia para pensar criativamente no interior das crenças cristãs e dogmas da Igreja.

Ele é o criador da teoria do pecado original, Agostinho explica que o pecado original vem da fraqueza da alma (liberdade) e não do corpo, que já é impuro e imperfeito. Isto acontece porque Adão e Eva sucumbiram ao pecado, ao orgulho, ao amor-próprio e não amor de Deus. Assim sendo o pecado tem uma face hereditária e é da exclusiva responsabilidade do homem.

Sua mãe, Mónica, mais tarde canonizada e designada hoje por Santa Mónica, foi também de uma grande preponderância para a conversão de Agostinho ao cristianismo. Mónica era uma mulher extremamente devota para quem o facto de seu filho ser maniqueísta, ser uma razão para um sofrimento desmedido. Na altura da sua morte, disse a Agostinho que partia em paz pois sabia que o filho tinha obtido a salvação, através da conversão e baptismo.

Será importante também fazer um enquadramento histórico da era de Agostinho, pois Agostinho viveu numa era em que não só Roma declarava o cristianismo como a sua religião, mas também foi nesta altura, mais precisamente em 410, que os exércitos Godos comandados por Alarico, invadem Roma. Esta invasão serviu de pretexto para que os pagãos acusassem os cristãos por esta invasão, invocando a renúncia dos cristãos aos deuses clássicos como a causa da queda do Império, que há muito se vinha desmoronando.

Em Hipona Agostinho teve grande preocupação com as repressões que poderiam cair sobre os cristãos, centrando a defesa da Igreja católica contra a donatista. Foi nesta altura que Agostinho escreve uma das suas obras-primas, A Cidade de Deus, na qual defende a elevação da cidade espiritual (a de Deus) sobre cidade material (a do Homem).

Agostinho morre em 430, numa altura que a Hipona estava cercado pelas tropas de Genserico, e Roma tinha caído nas mãos dos povos bárbaros.

Como já escrevi Santo Agostinho acreditava que a razão e o pensamento filosófico, deveria ser a base da fé católica, só com estes pressupostos de poderia atingir Deus e consequentemente a felicidade.

A fórmula de Agostinho misturava filosofia, teologia e ontologia para obter um certo “espírito” que fala da actividade do homem no mundo e a sua relação com Deus. A sua fé embora firme não é cega, para isso ele usa a razão, para que através de um entendimento racional o homem consiga entender a natureza da sua relação com Deus. A mente, ou alma, como diz o pensamento agostiniano, é a ferramenta que Deus deu ao homem para O entender, e Agostinho pela primeira vez na história da humanidade faz essa viagem, da imanência psicológica à transcendência metafísica.

Seria importante nesta altura civilizacional, no Ocidente, que o homem buscasse neste santo algumas respostas e reflexões.

Numa altura em que no Ocidente se vive uma clara crise de valores e em que a cidade material se sobrepôs claramente à cidade espiritual, algo falhou no nosso mundo ocidental. A constante procura dos bens materiais a todo o custo, uma civilização que tende cada vez mais a confundir liberdade com direitos, deverá buscar em si uma profunda reflexão.

A civilização ocidental padece neste momento de uma enorme maleita, não apontarei o dedo ao consumismo directamente, mas no ocidente vive-se cada vez mais com o seguinte pensamento: “Se quero, tenho direito!”.

Temos de nos mentalizar que não temos o direito a tudo só porque o desejamos, não é só porque queremos algo que o temos de ter a toda a força. Este mal revela-se não só nos bens materiais, mas também nos imateriais.

Seria bom fazermos uma introspecção como nos pede Agostinho de Hipona, reflectir sobre o que necessitamos mesmo e o que é dispensável. Para isto a fórmula de Agostinho é hoje tão actual como o era no séc. V, baseado nos valores da bíblia e de Deus que são os pilares da civilização ocidental, fazermos uma viagem espiritual e perguntarmo-nos: “O que preciso mesmo para a minha felicidade?”.

Não andaremos a idolatrar falsos ídolos? Não estaremos embrulhados em muita coisa superficial? Não olhamos demais para nós e pouco para o mundo? Não desejamos muitas vezes algo que nos vai fazer deixar para trás a nossa verdadeira felicidade?

“ Ignorante, precipitava-me tão cegamente, que entre os companheiros da minha idade, me envergonhava de ser menos infame que eles. Ouvia-os jactarem-se de suas ignomínias e tanto mais se vangloriavam quanto mais depravados eram. Assim, praticava o mal não só pelo deleite da acção, mas ainda para ser louvado. (…) Se não cometesse pecado com que igualasse os mais corrompidos, fingia ter cometido o que não praticara, para que não parecesse mais abjecto quanto mais inocente, e mais vil quanto mais casto.”

Agostinho influenciou também grandes filósofos e pensadores como Nietzsche, Schopenhauer e Tomás de Aquino.
Este texto é escrito por um não-crente mas que gosta de pensar.

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